A pátina cinza que nos cobre,
a mim e à cidade minha adoptiva,
hoje acalmou todos nossos rancores.
É feia, e eu também bonito não sou.
Há quem ache o contrário. De ambos.
Mas, a meu ver, estão enganados.
O Amor retira-nos a cinza-manto,
olhos doces, protectores, vêem mais,
vêem melhor o que o pó natural tapa.
Gaivotas fúteis pairam descendentes,
convergentes num ponto ou outro de ti.
Cidade, gostas que te namorem!
Mas só quem te ama tua força constrói.
Todos os olhos amantes de outros solos
atacam p'lo mais fácil: o brilho que não tens.
Valham-te teus nativos, raça débil,
peixeiras, drogados, funcionários mesquinhos,
cobardes que refilam em segredo cinzento.
Eu, vim nascer noutro lugar.
Pertenço-me? Não o sinto. O cordão intacto,
Que me pende das vísceras, brilha de vida.
Invisível, a polpa vital ensina-me a sorrir.
Hoje todos os rancores dormem.
Descanço de todo o mal que provoco.
Longe, longe, noutros mais amplos céus,
anjos alegres dançam, amam-se,
vivem melhor que nós, ricos de espírito...
Ando a viver noutra época, noutro eu,
através dum livro qualquer que leio.
Passeio fora de mim, fora daqui...
Se eu tivesse asas, como tu, anjo-dançante,
e leve, com aligeireza dos teus passinhos,
viajava entre a utopia de mim e eu,
sem sentimentos repressos, simples,
difícil dança, anjo-sorriso-dourado...
Acalmo meu orgulho, não sorris da pequenez...
Na verdade, não tentei voar ainda...
Agora, teus cabelos de prata adejam,
Sopra o vento da inércia minha.
Desculpa... Vai e dança, pra ti apenas!
Se algo aprendes com esta pesada humanidade...
Vai! Espero por ti, suado e de olhar de fadiga feliz.
Espero-te aqui, onde nasci de novo,
Como sou, como estarei sempre,
Coberto, como ela, de uma pátina de Amor...